Criptomoedas e Lavagem de Dinheiro

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Criptomoedas e Lavagem de Dinheiro

O Bitcoin, criptomoeda mais conhecida, surgiu no cenário mundial, nos Estados Unidos, no ano de 2008, no auge da crise do “subprime”, em que diversos bancos de grande porte estavam quebrando.

No decorrer da crise que afetou diversos cidadãos norte-americanos, que quebraram juntamente com os bancos, surgiu a ideia das criptomoedas que objetivavam a criação de uma moeda diferente das tradicionais, com novas características: intangível; adesão voluntária; proteção por criptografia eletrônica; anonimato (publicidade dos negócios); código aberto; não exploração das informações online dos usuários; descentralização; transparência; operação 24 (vinte e quatro) horas por dia; alta velocidade; gasto duplo prevenido; baixo custo para troca de valores e, principalmente, ausência de regulamentação governamental.

Assim como toda novidade tecnológica, o Bitcoin desperta uma certa dificuldade no âmbito criminal em acompanhar seu funcionamento e sua evolução. Indaga-se, na seara criminal, se as inovações trazidas pela tecnologia facilitam ou não os cometimentos de crimes graves.

Para que seja possível afirmar se a criptomoeda, especificamente o Bitcoin, pode ser objeto do crime de Lavagem de Dinheiro, previsto no artigo 1º da Lei 9.613/1998, vale ressaltar as discussões acerca de suas principais características e de sua natureza jurídica, onde, no ordenamento jurídico pátrio, sua definição se encaixa? Seria uma Moeda? Ativo Financeiro? Valor Mobiliário? Commodities? Natureza jurídica, nas palavras de Maria Helena Diniz é “a afinidade que um instituto Jurídico tem, em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação.”

À luz da legislação brasileira, aquilo que mais se aproxima de um conceito de moeda, pode ser extraído da lei 9.069 de 29 de junho de 1995, que implementou o Plano Real, que determinou que a unidade do Sistema Monetário brasileiro seria o Real. A moeda cumpre função essencial na sociedade, funcionando como intermediário universal da aquisição de bens ou de contratação de serviços.

Nas palavras de Eugênio Gudin: “O fenômeno da moeda pressupõe uma ordem econômica, em que a produção é baseada sobre a divisão do trabalho. O equilíbrio da produção e do consumo tem lugar no mercado, onde os produtores se encontram para trocar mercadorias e serviços, uns com os outros. A função da moeda é a de facilitar os negócios do mercado, agindo como intermediário comum de troca.”

A função de moeda, antes do advento do Bitcoin, era exercida pelo papel moeda, metálica e fiduciária, que são representadas por cédulas de papel emitidas pelo Estado ou por dados armazenados nos servidores de instituições financeiras, que indicam a quantidade de dinheiro que o cidadão possui .

Os Bitcoins possuem diferenças para as moedas tradicionais, sendo elas:

(i) não são suportadas por nenhum governo ou entidade legal, não tem nenhum emissor central, conta com um sistema de ponto a ponto para realização de transferências, que não depende de um intermediador, para manter sua consistência;

(ii) quem intermedia ou emite não está sujeito a nenhuma regulação nacional;

(iii) não tem garantia de conversão para moeda oficial ou de qualquer tipo de garantia por ativo real. A conversão para moedas emitidas por autoridades monetárias depende de credibilidade e confiança dos agentes do mercado que aceitam a moeda virtual como meio de troca;

(iv) volatilidade do preço por questões políticas e de ofertas e demanda, sujeita a perda total de seu valor;

(v) podem, facilmente, ser utilizadas para atividades ilícitas;

(vi) Carteiras eletrônicas, onde os valores ficam armazenados apresentam risco de ataques cibernéticos que podem causar perdas patrimoniais e não possuir um responsável pela sua segurança, apenas o sistema Blockchain.

Ainda, importante esclarecer o Bitcoin não é uma moeda eletrônica, previstas no artigo 6º, VI, do Comunicado nº 25.306/2014 do Bacen, tendo em vista que moedas eletrônicas são “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento” e são emitidas por governos soberanos, diferentemente das moedas virtuais que não são emitidas nem garantidas por uma autoridade monetária .

Em que pese existirem semelhanças com a definição atual de moeda – uso e aceitação como meio de pagamento (caráter fiduciário da moeda), alta liquidez, reserva de valor e facilitação de movimentação e armazenamento – existem parâmetros legais que impedem a caracterização, como a reserva de autoridade conferida pela Constituição a Casa da Moeda para emitir moeda e a Lei 9.069/1995, que instituiu o plano real.

O Bitcoin, ainda, não pode ser qualificado como ativo financeiro, como definido pela Comissão de Valores Mobiliários: “CIRCULAR SIN 1/2018. CVM 555: ‘Nesse sentido, a área técnica da CVM informa aos administradores e gestores de fundos de investimento que as criptomoeda não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos dispostos no artigo 2º, V, da Instrução CVM 555. Por essa razão, não é permitida aquisição direta dessas moedas virtuais pelos fundos de investimento regulados.”

Diante dessa circular, a Comissão de Valores Mobiliários, ante a ausência de definição legal, expediu o ofício circular nº 2/2018 , orientando que os administradores e gestores “devem aguardar manifestação posterior e mais conclusiva sobre a possibilidade de investimento indireto via veículos no exterior”.

Nesse mesmo sentido, a Comissão de Valores Mobiliários já realizou análises sobre a caracterização de criptomoeda como valor mobiliário, tendo resultados antagônicos – Caso HashCoin Brasil, Hashbrasil e Niobium Coin – sob alegação de que não poderia ser tratado como valor mobiliário uma vez que os adquirentes da criptomoeda não receberiam remuneração, nos termos do artigo 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.

Com o intuito de regulamentar o tema, o projeto de Lei 2.303/2015, de autoria do Deputado Federal Áureo Lídio Moreira Ribeiro, dispõe “sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central” .

O projeto visa incluir as criptomoedas no inciso I do artigo 9º da Lei de 9.613/1998, alterado pela lei 12.683/2012, fazendo com que o pagamento por meio de Criptomoedas se equivalha aos arranjos de pagamentos, acima citados. Assim, caso o projeto seja promulgado, as moedas serão consideradas como ativos financeiros e o Banco Central do Brasil – BACEN será o responsável pela sua regulamentação.

Por meio da instrução normativa 1888/2019, a Receita Federal determinou que as empresas, registradas no Brasil, de intermediação de criptomoedas, exchanges de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil, bem como as pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que realizam transação com criptoativos, acima de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por mês, são obrigadas a prestar declarações mensais e anuais à Receita Federal.

Ainda, em aspectos técnicos, não se deve considerar um Bitcoin um investimento, tendo em vista que não gera juros ou dividendos, não oferece nenhum tipo de remuneração ou benefício garantido, uma unidade de Bitcoin sempre será uma unidade de Bitcoin . Vale salientar que a Receita Federal do Brasil, muito embora a natureza jurídica do Bitcoin não ter sido definida no ordenamento jurídico pátrio, se manifestou a respeito e determinou que as criptomoedas devem ser declaradas como “bens e direitos”, devendo ser declarado o valor efetivamente pago em moeda local.

Como se percebe, transcende o mundo jurídico a questão da natureza jurídica das criptomoedas. É necessário o estudo de questões de economia, ciências contábeis, informática, entre outras áreas para poder se definir. Todavia, diante de tantas possibilidades, é possível perceber um ponto em comum entre todas as naturezas jurídicas analisadas, o seu valor patrimonial.

O Professor Renato de Mello Jorge Silveira, destaca que, independente da definição de sua natureza jurídica, seja moeda, ativo ou aplicação financeira, o papel regulador do Banco Central, na possível definição do tema, já se mostra um óbice à pretensa liberdade das criptomoedas.

Independentemente de sua natureza jurídica, avizinham-se problemas na seara penal com relação as criptomoedas, tendo em vista que crimes, tais como Evasão de Divisas, Lavagem de Dinheiro, Sonegação Fiscal e crimes presentes na lei 7.492/86, dependem e tangenciam conceitos de moeda, o que torna imperioso o desenvolvimento dogmático sobre as chamadas criptomoedas.

Pois bem. Conforme os conceitos descritos nos tópicos anteriores, o Bitcoin – que possui tecnologia extremamente avançada, que impossibilita a identificação de seus detentores, tendo em vista que permite a utilização de pseudônimos, não identificáveis, e protege seus usuários por meio de criptografia –, diferentemente dos contratos de câmbio e aplicações na bolsa, são realizadas sem qualquer autorização do governo e não possui legislações específicas para prevenir o crime de lavagem de dinheiro, o que, até o presente momento, dificulta o trabalho das autoridades no curso da persecução criminal.

Diante de suas principais características: descentralização, pseudoanonimidade e a globalidade, é possível afirmar que tais transações favorecem a prática de lavagem de dinheiro. Basta ingressar em corretoras de Bitcoin, para comprovar a facilidade em adquirir a quantidade de criptomoedas, devendo, para se cadastrar, apresentar os dados básicos do cidadão, escolher seu “pseudônimo” e ingressar no Blockchain com auxílio de especialistas. Ressaltando que uma das principais características é o anonimato.

Em que pese a Receita Federal, por meio da normativa 1888/2019, ter determinado a obrigação das exchanges, bem como das pessoas físicas/jurídicas, em trações acima de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), de prestação de informações, tal medida não basta para evitar as condutas delituosas perpetradas por meio do sistema, tendo em vista a impossibilidade de identificação dos detentores das criptomoedas e a dificuldade de rastreamento dos valores não declarados.

Renato de Mello Jorge Silveira demonstra preocupação com o tema: “Como controlar o incontrolável, é a pergunta posta à mesa. As dificuldades são vistas, primeiro pela sua complexidade e, segundo, pela sua própria natureza descentralizada. Isso leva ao inexorável problema de como poderia ser proposta uma efetiva regularização” .

Percebe-se a dificuldade do tema, porém, com o intuito de se minorar riscos de prática de delitos, tanto nacionais como internacionais, inicialmente, cabível seria a regulamentação imediata com relação ao “cadastro” no Blockchain de “usuários” brasileiros, proibindo-se a utilização de pseudônimos e determinando a utilização de todos os dados pessoais dos indivíduos cadastrados, determinando a prestação de informações a Receita Federal de quaisquer movimentações, sem estipular valor mínimo, bem como aguardar posições das organizações mundiais a respeito do tema, principalmente com relação ao anonimato das operações, devendo as exchanges estarem sujeitas às medidas de prevenção e controle mundial.

Nas palavras de Heloísa Estellita : “ Isso porque a identificação dos usuários, que será por elas realizada, somada à total transparência das transações no blockchain tornarão a rastreabilidade bastante superior à aquela que se tem hoje, por exemplo relativamente a dinheiro em espécie.”

Adverte a Professora, ainda, que o principal desafio se refere a rapidez das transações, demonstrando uma intensa necessidade de cooperação internacional em matéria financeira e penal. Sendo assim, é possível concluir que o delito de lavagem de dinheiro é, em tese, facilitado por meio dos Bitcoins, diante da ausência de legislação atual do tema, tendo em vista as suas principais características já mencionadas.

De rigor a imediata regularização das criptomoedas, mediante o controle das instituições responsáveis, combatendo, principalmente, o anonimato, característica essa que, em tese, facilita práticas delituosas e impossibilita a identificação dos responsáveis pelas movimentações de ativos provenientes de condutas criminosas.

 



Eduardo Krasovic

Aadvogado criminalista do Décio Freire Advogados, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getulio Vargas (GVLAW/SP). Cursando pós graduação em extensão em Direito Penal Econômico na USP Fundação Arcadas em convênio com IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo


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