Prescrição Intercorrente nos Autos de Infrações Ambientais do Estado de Minas Gerais

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Prescrição Intercorrente nos Autos de Infrações Ambientais do Estado de Minas Gerais

A prescrição intercorrente é o reconhecimento da perda do direito de exigir pelo autor, devido à sua inércia no decorrer do processo. Na legislação estadual não há previsão para o reconhecimento da prescrição intercorrente. Já a Lei Federal nº 9.873/1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública, há previsão a prescrição intercorrente em seu artigo 1º, §1º, in verbis:

 

Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. §1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

 

Por sua vez, o Decreto Federal nº 20.910/1932, regulamenta a prescrição de dívidas passivas da União, Estados e Municípios no prazo de 05 (cinco) anos da data do ato ou fato do qual se originarem (prescrição quinquenal).

 

Soma-se também a esse fato a previsão contida no 2º do art. 21 do Decreto Federal nº 6.514/2008 quanto à prescrição intercorrente de processos administrativos de apuração de infrações ambientais no âmbito da administração pública federal, abaixo transcrito:

 

Art. 21.  Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. (…) § 2º Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.

 

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD possui posicionamento no sentido da impossibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrente, mormente a ausência de previsão em legislação estadual. Na oportunidade, traz-se à baila trecho do Parecer Único NAI – SUPRAM CM nº 001/2017:

 

No tocante a alegação de que teria ocorrido a prescrição intercorrente, aplicando-se por analogia os dispositivos da Lei Federal n° 9873/1999, a mesma não merece prosperar, pelos argumentos a seguir:

Consoante já é cediço, a prescrição intercorrente não é aplicável, nem mesmo por analogia, aos processos administrativos em trâmite no Estado de Minas Gerais, pela ausência de amparo legal.

O art. 1, do §1° da Lei Federal n ° 9783/99 estabelece prazos de prescrição e de prescrição intercorrente para exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta: (…) Da leitura dos dispositivos em análise conclui-se que os prazos tratados pela citada Lei são aplicáveis somente nos processos em trâmite na Administração Pública Federal e esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de sua inaplicabilidade no âmbito estadual: RECURSO ESPECIAL Nº 1.620.970 – PR (2016/0217922-4)
RELATORA: MINISTRA DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO)
RECORRENTE: MUNICIPIO DE MARINGÁ
RECORRIDO: OI S.A (…) Ademais, a jurisprudência daquele tribunal é remansosa no sentido de que quando pendente recurso em processo administrativo, não há que se cogitar de prescrição intercorrente. A Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais também já afastou a aplicabilidade dos dispositivos da Lei n° 9873/99 aos processos administrativos estaduais, nos Pareceres 14556/2005, 14897/2009, 15047/2010 e 15233/2013, razões pelas quais não há que se acolher o argumento da Recorrente de ocorrência da prescrição intercorrente
”.

 

Outrossim, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na grande maioria dos julgamentos, entende pela impossibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrente nos autos de infrações ambientais, inclusive com lastro em entendimentos do STJ, tendo em vista a ausência de legislação específica no âmbito estadual. Vejamos alguns julgados nesse sentido:

 

(…) De acordo com entendimento do STJ, firmado no julgamento do Recurso Especial 1.115.078/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a Lei 9.873/99 – cujo art. 1º, § 1º, prevê a prescrição intercorrente – não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, pois o âmbito espacial da aludida Lei limita-se ao plano federal, nos termos de seu art. 1º – Em se tratando de credito não tributário da Fazenda Pública decorrente de aplicação de multa ambiental, no que tange à prescrição, aplica-se o disposto no Decreto n. 20.910/32, nos termos da Súmula 467 do STJ (…) (TJ-MG – AC: 10000210590733001 MG, Relator: Fábio Torres de Sousa (JD Convocado), Data de Julgamento: 10/06/2021, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/06/2021).

 

Ocorre que, em casos excepcionais, o Tribunal das Alterosas manifestou-se no sentido de aplicar a prescrição intercorrente, nos termos do Decreto nº 20.910/1932, em casos de procedimentos administrativos paralisados por mais de 05 (cinco) anos, veja-se:

 

AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – SANÇÃO ADMINISTRATIVA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – PROCESSO ADMINISTRATIVO – PARALISAÇÃO – PRAZO – DECRETO Nº 20.910/32. – Na ausência de regulamentação específica, no âmbito do Estado de Minas Gerais acerca da prescrição intercorrente da pretensão punitiva do ente público, decorrente de infração ambiental, aplica-se por analogia, o prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32, incidente às pretensões em face da Fazenda Pública; – Há prescrição intercorrente da pretensão punitiva quando o procedimento de apuração do auto de infração ambiental fica paralisado, injustificadamente, por período superior a cinco anos. (TJ-MG – AGT: 10411190009679002 Matozinhos, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 24/06/2021, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/06/2021).

 

Especialmente em relação ao caso acima, cumpre destacar que se trata de situação extremamente sui generis, no qual o processo administrativo do IEF ficou paralisado por mais de 11 (onze) anos. Inobstante, a base jurídica do entendimento do TJMG no referido aresto é equivocada, como será visto a seguir.

 

Destarte, observamos que não há unicidade nos posicionamentos adotados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e que, quando há reconhecimento da prescrição intercorrente, aplica-se o prazo de 05 (cinco) anos (Decreto nº 20.910/1932) e não de 03 (três) anos, como prevê a Lei nº 9.873/1999.

 

Frente ao dissídio jurisprudencial em Minas Gerais, passa-se analisar o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, especialmente nos casos de origem mineira.

 

O STJ tem entendimento consolidado pela inaplicabilidade da regra de prescrição intercorrente prevista na Lei nº 9.873/1999 quando inexistente tal previsão nas leis locais[1].

 

Já em relação a aplicação analógica do Decreto nº 20.910/1932, o Tribunal da Cidadania infere que a referida norma trata apenas da prescrição executória, e não da prescrição intercorrente, assim mostra-se equivocada sua aplicação para o reconhecimento deste último instituto. Veja-se:

 

(…) O art. 1º do Decreto 20.910/1932 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, prevista apenas na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. 5. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação do Estado do Paraná, ante a inaplicabilidade do art. 1º do Decreto 20.910/1932 para este fim, bem como das disposições da Lei 9.873/1999, deve ser afastada a prescrição da multa administrava no caso, já que, em tais situações, o STJ entende caber “a máxima inclusio unius alterius exclusio, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la” (REsp 685.983/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20/6/2005, p. 228). 6. Recurso Especial provido. (STJ – REsp: 1662786 PR 2017/0064747-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/05/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/06/2017).

 

Em resumo, no Estado de Minas Gerais, não se reconhece a prescrição intercorrente, pois i) não há previsão na legislação; ii) conforme entendimentos consolidados na Justiça Estadual e no STJ, é inaplicável a previsão do artigo 1º, §1º, da Lei nº 9.873/1999 e iii) a aplicação do Decreto nº 20.910/1932 (prescrição quinquenal) como regra para reconhecimento da prescrição intercorrente pelo TJMG é equivocada, como podemos observar dos entendimentos do STJ.

 

A ausência de legislação específica sobre o tema no âmbito estadual merece algumas críticas, principalmente porque a prescrição intercorrente atende à principiologia constitucional da razoável duração do processo e não permite que os processos administrativos fiquem à mercê dos órgãos de fiscalização, paralisados por anos, sem que haja qualquer tipo de consequência pela inércia injustificada.

[1] (…) 2. O STJ possui entendimento consolidado de que a prescrição intercorrente prevista na Lei n. 9.873/1999 não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AgInt no REsp: 1773408 PR 2018/0267752-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 01/10/2019, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2019).



  1- Camilla Costa; 2- Débora Pôssa; 3- Paula Teles;

[1] Advogada do Departamento Ambiental no escritório Décio Freire Advogados. Bacharel em Direito e Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, especializada em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ. [2] Advogada do Departamento Ambiental no escritório Décio Freire Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e Pós-graduada em Direito Público. [3] Advogada Ambiental no escritório Décio Freire Advogados. Mestra em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC, atuando na linha de pesquisa “Direito, planejamento e desenvolvimento sustentável”. Possui especialização em Gestão ambiental integrada pela PUC/Minas, graduação em Ciências Biológicas pela ESMA e graduação em Direito pela PUC/Minas.


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