Em adaptação de consulta tributária que fizemos para um cliente do escritório DFA Advogados, acerca do benefício fiscal da Lei de Fertilizantes, denominado PROFERT (Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes), que está sendo confeccionado no Projeto de Lei n. 3.507/2021, ainda em trâmite no Congresso Nacional, pudemos discorrer sobre suas repercussões tributárias no mercado econômico de distribuição de gás natural, bem como sobre a estimulação governamental à produção nacional e à alavancagem industrial das empresas já estabelecidas no país.
Inicialmente, o PROFERT constitui um aprimoramento do antigo benefício fiscal do REIF (Regime de Incentivo ao Desenvolvimento da Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes), que tinha sido instituída pela Lei n. 12.794/2013 (conversão da MP n. 582/2012).
O próprio REIF continha problemas de validade, devido à exigência de conteúdo nacional para a fruição do regime tributário especial, o que representa uma espécie de barreira não-tarifária ao comércio internacional e, logo, uma violação ao Acordo Internacional do GATT pelo Brasil.
A necessidade do surgimento do PROFERT tem origem nas implicações internacionais da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que são os principais exportadores de fertilizantes e seus insumos para os diversos países do mundo. Dentre eles, o Brasil tem uma demanda de importação de fertilizantes elevada e depende de 90% de insumos, provenientes do exterior, mormente, o Cloreto de Potássio, segundo informa a Ministra da Agricultura, Sra. Tereza Cristina.
O PROFERT segue o modelo padrão da maioria dos Regimes Especiais de Tributação do PIS/COFINS e do IPI, isto é, cria uma suspensão dos tributos sob benefício fiscal, os quais serão convertidos em alíquota zero, após a demonstração do cumprimento das condicionantes do regime, junto à Fiscalização Federal.
Em suma, o PROFERT cria diversos benefícios fiscais aos habilitados e coabilitados do Regime Especial, quais sejam:
No próprio projeto de lei, existe previsão normativa de delegação ao Poder Executivo Federal de preconização das empresas passíveis de adesão ao programa, bem como as empresas que já estariam excluídas pela própria lei: as empresas optantes pelo regime de arrecadação unificado do SIMPLES NACIONAL e as empresas optantes pela tributação da renda pelo lucro presumido ou arbitrado.
Assim como o benefício fiscal do REIDI, as empresas beneficiárias habilitadas no PROFERT deverão ter projeto aprovado pelo MME/MAPA vinculados à implantação, ampliação ou modernização de infraestrutura para produção de fertilizantes e seus insumos, com registro contábil no Ativo Imobilizado.
Nos termos do art.9º do PL n. 3.507/2021, após a aprovação do projeto e a habilitação no PROFERT, as aquisições e as importações vinculadas ao programa ficarão sob alíquota zero por 5 anos, bem como a fruição dos benefícios depende da mantença da certidão negativa ou positiva, com efeito de negativa, pela empresa beneficiária.
A suspensão do pagamento incide sobre as operações de venda de bens, ferramental e equipamentos, inclusive materiais de construção, desde que empregados no projeto de infraestrutura da indústria de fertilizantes e seus insumos. Ela abrange também a tributação incidente sobre a locação e o arrendamento de bens que serão utilizados no projeto.
A coabilitação, no PROFERT, é interessante para que essas empresas não percam seu estoque de créditos dos impostos não-cumulativos, devido à não-incidência e/ou isenção, no meio da cadeia produtiva de fertilizantes. Ex: Fornecedores e Clientes das empresas habilitadas.
Com relação à importação de serviços, o IRRF se circunscreve às hipóteses de operações de importação, em que há remessa de divisas para o exterior, enquanto a CIDE se restringe à não-incidência tributária, nas hipóteses de pagamentos ao exterior de contratos relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas, bem como de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica.
Por sua vez, o art.10 do PL 3.507/2021 amplia as hipóteses de alíquota zero de PIS/COFINS e PIS/COFINS-Importação incidentes sobre a importação e a receita bruta da venda no mercado interno de adubos ou fertilizantes, classificados no Capítulo 31 da TIPI, e dos insumos necessários para a fabricação, visto que a redação textual atual apenas permite esse benefício para as matérias-primas dos fertilizantes. Com o PL, todos os produtos que interfiram na cadeia produtiva dos fertilizantes e adubos terão direito ao benefício fiscal, inclusive os fretes de venda (novo §8º do art.1º a ser acrescentado na Lei n. 10.925/2004).
Quanto ao art.11 do PL 3.507/2021, antes de se comentá-lo, é relevante ressaltar que as repercussões tributárias da cadeia produtiva de fertilizantes e adubos no mercado econômico do gás natural se associa às indústrias de transformação industrial dos fertilizantes e adubos, que consumam gás natural em seu processo produtivo, sem prejuízo de projetos de produção de biogás para a geração de energia elétrica, como fonte alternativa de energia renovável.
Para esse último caso, é possível obter a aprovação do projeto no MME/MAPA para habilitação no PROFERT, e, portanto, usufruir dos benefícios fiscais para os fertilizantes ou adubos e insumos empregados ou produzidos pelo projeto.
Como exemplo deste tipo de projeto, a EMBRAPA noticiou que um produtor rural catarinense implementou o SISTRATES (Sistema de Tratamento de Efluentes da Suinocultura), na Granja Master (SC), a partir de um projeto de 2010 desenvolvido pela EMBRAPA SUÍNOS E AVES, inclusive com financiamento pelo BNDES.
O SISTRATES se refere a um sistema de tratamento de dejetos suínos, que inova ao combinar processos biológicos e químicos para remover, conjuntamente, carbono, nitrogênio e fósforo, gerando água reutilizável na própria granja, energia elétrica e fósforo fertilizante.
Feitas essas breves considerações e se retomando a análise jurídica do art.11 do PL n. 3.507/2021, o §9º ao §11, que será acrescentado ao art.1º da Lei n. 10.925/2004[1], se refere apenas às operações de entrega e recebimento de gás natural para empresas fabricantes de fertilizantes e adubos habilitadas no PROFERT, logo as empresas distribuidoras de gás natural deverão estar coabilitadas no PROFERT.
Outro ponto é que os contratos take or pay se referem ao fornecimento de gás natural à contratada por um preço mensal, sendo que esse preço deve ser pago ao fornecedor, independentemente do consumo efetivo do gás pelo adquirente. Nada obstante, o próprio contrato permite que o adquirente ganhe créditos pelo gás não consumido para ser usado no futuro até um certo prazo contratual. Esse tipo de contrato é muito comum para as termelétricas flexíveis, que não tem a obrigação de gerar um mínimo de energia elétrica, mas somente sob demanda, pois se torna um meio de assegurar uma remuneração estável ao fornecedor de gás.
No caso do contrato ship or pay, paga-se pela capacidade de transporte do gás, ou seja, contrata-se o direito de uso da infraestrutura de transporte do gás pelo gasoduto, de modo a se remunerar o custo de operação e manutenção do gasoduto. Aqui o custo é fixo e, logo, o contratante não tem direito de crédito pela subutilização do gasoduto.
Em outras palavras, o novo §9º do art.1º da Lei n. 10.925/2004 indica que a alíquota zero de PIS/COFINS e PIS/COFINS-Importação incidirá sobre a receita bruta atinente à remuneração do fornecedor de gás natural, nos contratos take or pay ou ship or pay, onde, como foi asseverado, essa remuneração é fixa e abrange a demanda contratada, ainda que não tenha sido efetivamente entregue ao consumidor. A razão dessa norma tributária é desonerar os custos da empresa fabricante de fertilizantes com a aquisição contínua de gás natural, enquanto insumo produtivo.
No que concerne ao novo art.1º-A da Lei n. 10.925/2004[2], essa norma tributária visa proteger o estoque de créditos de PIS/COFINS das empresas fabricante de fertilizantes, vez que, numa situação normal, ela não teria direito de crédito sobre os gastos com a aquisição de gás natural, pois essa entrada seria não tributada. Sob esta esteira, a norma afasta expressamente a aplicação do art.3º, §2º, II, da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003[3], dando direito à apropriação de créditos de PIS/COFINS do regime não-cumulativo, mediante a aplicação de 9,25% sobre as notas fiscais de entrada de gás natural no estabelecimento contribuinte.
Além disso, se o crédito não for recuperado até o final do primeiro trimestre, o contribuinte poderá se valer de “compensação cruzada”, isto é, a compensação tributária dos créditos escriturais de PIS/COFINS com outros débitos fiscais administrados pela Receita Federal, bem como poderá optar pela restituição em espécie dos créditos escriturais, mediante requerimento administrativo, junto à Receita Federal.
Em conclusão, pensamos que se trata de iniciativa bem-vinda ao segmento do agronegócio, em que as regras a serem regulamentadas pelo Poder Executivo já são bastante previsíveis, como aconteceu com o REIDI e programas de benefícios fiscais similares, e que, certamente, poderá contribuir para a expansão do mercado de gás natural canalizado no país, enquanto insumo energético mais limpo e barato, que o óleo combustível.
[1] §9º. Para fins do disposto no inciso I, nos contratos que incluem compromisso firme de recebimento e entrega de gás, nos termos das cláusulas take or pay e ship or pay, a alíquota 0 (zero) incidirá sobre a parcela referente ao gás efetivamente entregue à empresa fabricante de adubos e fertilizantes, bem como sobre as parcelas do preço que não estiverem associadas à entrega do produto, nos termos das cláusulas take or pay e ship or pay.
[2] Art.1-A. Na apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de não-cumulatividade, a empresa fabricante de fertilizantes poderá descontar créditos calculados às alíquotas de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), respectivamente, decorrentes de aquisição ou importação de insumos para a fabricação de fertilizantes, não se aplicando o disposto no art.3º, §2º, II da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003 e no art.3º, §2º, II da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002.
Parágrafo único. O crédito previsto no caput deste artigo que a pessoa jurídica não conseguir utilizar até o final de cada trimestre-calendário poderá ser:
I – Compensado com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a impostos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação específica aplicável à matéria; ou
II – Ressarcido em espécie no prazo máximo de sessenta dias, contados do respectivo pedido, observada a legislação específica aplicável à matéria.
[3] Art.3º. (…)
(…)
II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.
7 novembro 2024
31 outubro 2024
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