A Lei nº 13.964/2019, sancionada em 24 de dezembro de 2019 e intitulada “Pacote Anticrime”, dentre outras inovações, criou o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), inserido no artigo 28-A do Código de Processo Penal. O novo instituto alterou significativamente a modalidade de resolução conflitiva concernente à criminalidade de média potencialidade lesiva, em nítido fomento ao abandono da postura processual contenciosa, objetivando à implementação de uma justiça penal mais colaborativa.
A justiça consensual em âmbito penal não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, que prevê a figura da transação penal (constante do art. 76 da Lei nº 9.099/95), da suspensão condicional do processo (art. 89, também da Lei dos Juizados Especiais) e da colaboração premiada (artigo 4º da Lei 12.850/2013 – Lei das Organizações Criminosas). Com aquelas premissas, contudo, o ANPP não se confunde.
Concernente à suspensão condicional do processo, recebe-se a denúncia e suspende-se o feito, cumpridas as condições, julga-se extinta a punibilidade. O Acordo de Não Persecução Penal, por sua vez, pode vigorar antes ou depois do oferecimento da denúncia.
Nesta mesma toada, ademais, é que um dos requisitos para a realização do encimado Acordo perfaz-se apenas quando não for cabível a transação penal e quando o agente não tiver sido beneficiado pela transação ou suspensão condicional do processo nos cinco anos anteriores ao cometimento da infração em voga.
Outrossim, o novo instrumento processual mostra-se benéfico ao acusado, ampliando substancialmente as possibilidades para a realização de acordo com as autoridades públicas – mormente Ministério Público – antes de haver acusação formal quanto a prática de delitos.
Importa verificar, de pronto, que mesmo na seara criminal existem, atualmente, mecanismos que visam à desjudicialização, com o escopo de combater a prática do encarceramento desmedido. O Acordo de Não Persecução Penal trata-se, por conseguinte, nas palavras de Aury, de:
Poderoso instrumento de negociação processual penal que requer uma postura diferenciada por parte dos atores judiciários, antes forjados no confronto, que agora precisar abrir-se para uma lógica negocial.[1]
O instituto pode ser compreendido, destarte, como um ajuste celebrado, em determinadas condições e presentes os requisitos legais, entre o Ministério Público e o investigado devidamente acompanhado de seu advogado, por meio do qual são estipuladas premissas cujo cumprimento implicará no não ajuizamento da ação penal e na extinção da punibilidade.
Ressalte-se, quanto a este aspecto, a importante previsão legal acerca da imprescindibilidade da presença de defesa técnica ao acusado, objetivando resguardar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal), garantias primordiais ao processo penal brasileiro.
Estabelece o referido artigo 28-A do CPP, que o Acordo será oferecido ao agente, não reincidente, quando a infração imputar pena inferior a quatro anos e desde que não envolva violência, grave ameaça ou crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar.
Aquele que assinar o Acordo fica sujeito a reparar o dano ou devolver o produto do crime à vítima, renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público, prestar serviço comunitário, pagar multa ou cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional à infração penal cometida. Ademais, é necessária a confissão formal e circunstanciada do investigado.
Cumpridos os requisitos, portanto, é direito subjetivo do indivíduo o oferecimento do ANPP, não podendo, o Estado, furtar-se a concedê-lo por mero arbítrio.
A justiça penal negocial é, portanto, uma tendência no mundo contemporâneo[2] que tenciona priorizar a solução consensual de conflitos e a diminuição da máquina judicial, assim como das sanções que restrinjam a liberdade do indivíduo, mormente para as infrações penais de pequeno e médio potencial lesivo.
[1] LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 6a ed. São Paulo: Saraiva,
2016, p. 224.
[2] Países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e França, embora possuam sistemas jurídicos distintos, divididos entre o Common Law e Civil Law, já adotam modelos desta nova política criminal.
7 novembro 2024
31 outubro 2024
28 outubro 2024
Solicite contato conosco